Comecei ontem a ler mais um livro do antropólogo angolano Ruy Duarte de Carvalho, Como se o mundo não tivesse leste, Cotovia, 2003.
Não resisto a deixar aqui o primeiro pedaço de encanto:
"... A seca é um drama que ciclicamente se repete nas calcinadas vastidões desses dilatados suis. Mas nem a consciência de uma tal constância lhe minimiza um travo a morte e a perca.
Desidrata-se a terra, desidratam-se as ramas, altera-se a cor do mundo: embranquece o céu, escurece o capim.
Apartam-se os horizontes. Os montes ganham distância, mergulhados numa espessa e nublosa atmosfera, ofuscante em si mesma, opressiva de brumas e poeiras. Dir-se-ia que o ar coalha em goma, poalha de cal, fumaça de enxofre.
Enrola-se o tempo. Já não há estações que o meçam. Renovam-se as luas, sem sinais que as distingam de outras luas. Um mundo muito igual, os dias sobre os dias e nem um vento para cruzar-se firme com as direcções sabidas de outros ventos, a mesma luz, o mesmo sol, as mesmas noites frias."
Pastores, transumância, sudoeste de Angola, território Kuvale. Gostava de voar para lá.
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